Pesquisadores de instituições brasileiras, argentinas e uruguaias analisam as barreiras enfrentadas por países de baixa e média renda na disseminação de pesquisas em medicina intensiva, referente ao cuidado a pacientes críticos. Publicado este mês na revista The Lancet, o estudo destaca como vieses históricos e econômicos perpetuam desigualdades, sugerindo mudanças para um sistema de publicação científica mais inclusivo e representativo do mundo.
Os países de baixa e média renda abrigam 85% da população mundial e enfrentam uma carga desproporcional de doenças críticas. No entanto, o sistema global de publicação científica ainda é dominado por acadêmicos de países de alta renda. Essa desigualdade histórica, enraizada em práticas coloniais, prejudica a visibilidade de pesquisas fundamentais conduzidas nos países em desenvolvimento, como mostra o estudo coordenado pelo Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Hospital AC Camargo, Instituto do Coração e por centros de pesquisa da Argentina e do Uruguai.
O domínio acadêmico de países ricos
Historicamente, as práticas editoriais e métricas científicas favoreceram trabalhos de pesquisadores de países de alta renda, relegando os estudos das nações de média e baixa renda a um papel secundário.
Entre os fatores destacados estão taxas elevadas para publicação de artigos, parcerias de pesquisa muitas vezes desiguais, barreiras linguísticas impostas pelo predomínio do inglês nas publicações científicas e métricas que priorizam impacto em detrimento da relevância regional.
Essas dificuldades não apenas limitam o alcance das pesquisas realizadas nos países em desenvolvimento, mas também perpetuam uma dependência de reconhecimento e financiamento oriundos das nações com maior poder econômico.
O artigo exemplifica como o conhecimento científico dos países de média e baixa renda foi de grande importância durante a pandemia de covid-19, em que muitos desafios enfrentados por nações em desenvolvimento, como crises econômicas e escassez de força de trabalho, tornaram-se realidades também para os países desenvolvidos.
A crise sanitária global apenas evidenciou o valor do conhecimento gerado em países com sistemas de saúde resilientes e adaptáveis. Contudo, a falta de representatividade em periódicos de alta visibilidade impede o reconhecimento de lições relevantes que o "terceiro mundo" tem a compartilhar com a comunidade científica.
Propostas para uma ciência mais inclusiva na medicina intensiva
Os pesquisadores sugerem na publicação que mudanças no ecossistema científico são possíveis através de algumas ações globais e regionais, como a valorização de periódicos científicos de países de média e baixa renda e a isenção ou redução de taxas para autores desses países em publicações de periódicos internacionais.
Outra ação seria garantir uma revisão de pares mais justa, em que a avaliação de artigos priorize o mérito científico da publicação sem se basear em perspectivas e contextos culturais dos países de alta renda. Os autores destacam que isso requer maior diversidade nos conselhos editoriais, que muitas vezes não contam com a representação de pesquisadores de países em desenvolvimento nos seus periódicos.
O artigo reflete um esforço colaborativo internacional para compreender e combater as desigualdades no sistema de publicação científica global. Ao criticar as dinâmicas de poder estabelecidas e apoiar as perspectivas dos países de baixa e média renda, os pesquisadores defendem que é possível criar um ecossistema de publicação mais equitativo que atenda às necessidades de pacientes gravemente enfermos em todo o mundo.
Journal
The Lancet
Article Title
Decolonise publishing to reduce inequalities in critical care
Article Publication Date
8-Mar-2025